quinta-feira, 18 de agosto de 2011

LAGOA DAS GUARAÍRAS

Certo Índio da aldeia de Guaraíra, em momento de retorno sentimental à vida selvagem, esquecido das lições que recebia, matou uma criança. Matou e comeu.


O povo e os parentes da pequena vítima, reagiram veementemente. Não preocupava àquela altura, se prejudicaria o trabalho paciente mas superficial dos padres da Companhia Jesuítica.


Intencionava imolar a tradição cultural da antropofagia, que irrompera, inusitadamente ameaçando a cultura branca, européia.


O Superior da missão não pode se omitir na circunstância, mas não podia usar de violência, segundo a norma invariavelmente adotada nos métodos da catequese dos discípulos de Santo Inácio.


Tinha porém que impor o castigo exigido. E mandou que o índio farto das carnes da criança, ficasse dentro d'água, até que fosse chamado.


Assim sendo, o índio ficou lá, mas quando procurado não foi encontrado. Foi quando começou a aparecer nas águas da lagoa um Peixe-boi indo e vindo de um lado para o outro. Alta noite, o que se ouvia, subindo das águas salgadas da lagoa, era o gemido pavoroso de tremer, horripilante, dolorido, inesquecível.


A tremenda expiação devia perdurar por muitos anos, segundo sentença do missionário. Os pescadores iam pescar e voltavam, a rede enxuta sem peixe nenhum.


Antes de dar o primeiro lanço, o Peixe-boi aparecia varejando a canoa com toda a velocidade possível.


De lá de baixo subia o gemido cortante, agoniado e rouco, como se alguém estivesse afogando.


Era o índio que devorara a criança.


Os gemidos eram mais feios, mais lancinantes, pungentes, mais magoados nas noites de luar. E quando a mareta se erguia, via-se ao reflexo da lua, o dorso do Peixe-boi que subia à superfície.


O Pior era a incerteza. O Peixe-boi em toda a parte. Certa noite, era lá no canto do Borquei. Outra, no córrego da Capivaras, e sobretudo, na Barra do Tibau, vinham aos ouvidos os urros tremendamente feios, medonhos, apavorantes!!!!


Singular destino dessa lagoa.
Quando menos se espera, o mar a devolve. Depois retoma.
Tudo é um precioso mistério.


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